O pequeno barco se dirigiu até a doca no nevoeiro. Lá fora, no porto, um navio terminava de limpar a proa e voltava a expelir fumaça em direção ao sul.

Havia três homens na amarração: Fred e Ed e Filmore. Um homem pisou fora do barco com uma maleta nas mãos. Filmore se inclinou e deu ao homem ao volante do barco a motor um Lincoln e dois Jacksons[1], depois ajudou o homem com a pasta.

- Bem-vindo ao lar, Dr. Tod.

- É bom estar de volta, Filmore. – Tod vestia um terno “baggy” e um sobretudo, apesar de ainda estarem em Agosto. O chapéu cobria o rosto, e dele um brilho metálico refletia nas luzes pálidas do armazém.

- Este é Fred, e este é Ed. – disse Filmore. – Eles só vão ficar esta noite.

- Olá. – disse Fred.

- Olá. – disse Ed.

Andaram de volta até o carro, um Merc ’46 que mais parecia um submarino. Saltaram para dentro dele, Fred e Ed vigiando os dois lados das alamedas enevoadas. Então Fred se sentou atrás do volante e Ed carregou a espingarda, com uma calibre 10 de ponta serrada.

- Ninguém está me esperando. Ninguém se importa. – disse o Dr. Tod. – Todos que já tiveram algo contra mim estão mortos ou se endireitaram durante a guerra. Estou velho e cansado. Vou para o campo criar abelhas e jogar em cavalos e com o mercado.

- Nenhum plano, chefe?

- Nada.

Ele virou o rosto ao passarem por um poste. Metade de seu rosto não existia mais, uma placa lisa que ia do queixo à linha do chapéu, da narina à orelha esquerda.

- Não posso mais atirar, por exemplo. Minha noção de profundidade não é o que costumava ser.

- Eu não devia perguntar... – disse Filmore. – Ouvimos dizerque algo aconteceu em ’43.

- Eu estava numa operação um tanto quanto rentável fora do Egito enquanto a Corporação Africana se desfazia. Levava e trazia pessoas por uma taxa em aviões supostamente neutros. Um negócio paralelo. Foi quando cruzei com aviador do momento.

- Quem?

- O garoto com o avião a jato, antes dos Alemães construírem os deles.

- Vou lhe confessar, chefe, que não acompanhei muito a guerra. Só li um pouco sobre conflitos territoriais.

- Como eu deveria ter feito. – disse o Dr. Tod. – Estávamos voando para fora da Tunísia. Alguns caras importantes estavam conosco naquela viagem. O piloto gritou. Houve uma grande explosão. Quando dou por mim, já é a manhã seguinte e eu e outra pessoa estamos num bote salva-vidas no meio do mediterrâneo. Meu rosto dói. Levantei e algo caiu no fundo do bote. Era meu olho esquerdo. Ele estava olhando pra mim. Eu sabia que estava encrencado.

- Você disse que era um garoto num jato? – perguntou Ed.

- Sim. Descobrimos depois que haviam decifrado nosso código, e ele voou seiscentas milhas para nos interceptar.

- Quer se vingar? – perguntou Filmore.

- Não. Foi há tanto tempo que eu mal me lembro do lado esquerdo do meu rosto. Isso me ensinou a ser mais cuidadoso. Eu encaro isso como construção de caráter.

- Então não há planos, hein?

- Nem mesmo um. – disse Dr. Tod.

- Vai ser bom, pra variar. – disse Filmore. Eles viram as luzes da cidade desaparecerem.

* * *

Ele bateu na porta, desconfortável no seu terno marrom e casaco novos.

- Entre, está aberta. – disse uma voz de mulher. Então completou: - Fico pronta em um minuto.

Jetboy abriu a porta de carvalho do hall e entrou no aposento, atrás da divisória de tijolos-de-vidro.

Uma linda mulher parou no meio da sala, um vestido na metade de seus braços e cabeça. Ela vestia uma camisola, cinta-liga e meia-calças de seda. Ela puxava o vestido para baixo com uma das mãos.

Jetboy virou a cabeça , corado, e virou de costas.

- Oh! – disse a mulher. – Oh! Eu... Quem?

- Sou eu, Belinda. – ele disse. – Robert.

- Robert?

- Bobby. Bobby Tomlin.

Ela o encarou por um momento, suas mãos cruzadas sobre o peito, apesar de já estar totalmente vestida.

- Oh, Bobby! – ela disse, e foi até ele abraçando-o e dando um grande beijo em seus lábios.

Era o que ele esperava há seis anos.

- Bobby. É tão bom ver você. Eu... Eu estava esperando outra pessoas. Umas amigas. Como me achou?

- Bem, não foi fácil.

Ela recuou.

- Deixe-me olhar para você.

Ele olhou para ela. A última vez que a vira ela tinha quatorze anos, uma menina reta, ainda no orfanato. Ela era uma garota magra de cabelos louros desajeitados. Uma vez, com onze anos, ela quase o espancara. Era um ano mais velha que ele. Então ele foi embora, para trabalhar nos campos de batalha aéreos, depois para lutar com os Britânicos contra Hitler. Ele escrevera para ela sempre que pudera, durante toda a guerra, depois que os Estados Unidos se aliaram. Ela havia deixado o orfanato e levada para um lar adotivo. Em ’44 uma das cartas dele voltaram de lá com o carimbo “Mudou – Sem endereço novo”. Então ele ficou perdido durante o último ano.

- Você mudou, também. – ele disse.

- Assim como você.

- É.

- Eu acompanhei os jornais durante toda a guerra. Tentei escrever para você mas acho que as cartas nunca chegaram. Então disseram que você havia sumido no mar, e eu meio que desisti.

- Bem, eu sumi. Mas eles me encontraram. Estou de volta agora. Como você tem passado?

- Muito bem, desde que fugi do lar adotivo. – ela disse. Uma aparência de dor surgiu no rosto dela. – Você não sabe como fiquei feliz de sair de lá. Oh, Bobby. – ela disse. – Oh, eu queria que as coisas tivessem sido diferentes.

Ela começou a chorar.

- Ei. – ele disse, segurando-a pelos ombros. – Sente-se. Eu tenho algo para você.

- Um presente?

- É. – ele lhe entregou um pacote de papel desbotado e sujo de óleo. – Eu os carreguei comigo os dois últimos anos da guerra. Eles estavam comigo naquela ilha. Desculpe não ter tempo de reembrulhar.

Ela rasgou o papel de açougue. Dentro havia cópias de The House at Pooh Corner e The Tale of the Fierce Bad Rabbit.

- Oh. – disse Belinda. – Obrigado.

Ele lembrou dela vestindo o uniforme do orfanato, suja e cansada de um jogo de beisebol, jogada na sala de leitura com um livro do Ursinho Pooh aberto à frente dela.

- O livro do Ursinho Pooh está autografado pelo verdadeiro Christopher Robin. – ele disse. – Eu descobri que ele era um oficial da FAR numa das bases da Inglaterra. Ele disse que não costuma fazer esse tipo de coisa, que era só mais um aviador. Eu disse que não contaria a ninguém. Eu procurei por tudo até achar uma cópia, e ele sabia disso.

- Esse outro tem mais história por trás dele. Eu estava voltando perto do anoitecer, escoltando alguns B-17s avariados. Olhei para cima e vi dois lutadores noturnos Alemães vindo na nossa direção, provavelmente em patrulha, tentando pegar alguns Lancaster antes que passassem sobre o Canal.

- Para resumir a história, eu derrubei os dois; eles caíram perto de uma pequena vila. Mas eu estava sem combustível e precisava descer. Vi uma bonita pastagem com um lado na extremidade, e segui para lá. Quando desci da cabine, vi uma moça e um cão-pastor parados na ponta do campo. Ela tinha uma espingarda. Quando chegou perto o suficiente para ver o motor e os decalques, ela disse, “Boa Pontaria” Não quer entrar para um desjejum e usar o telefone para ligar para o Comando de Batalha?” Podíamos ver os dois ME-110s queimando à distância. “Você é o famoso Jetboy”, ela disse. “Temos acompanhado seu progresso no jornal de Sawrey. Sou a Sra. Heelis” ela esticou a mão.

- Eu a cumprimentei. “Sra. William Heelis? E este é Sawrey?” “Sim”, ela disse. “Você é Beatrix Potter!”, eu disse. “Acho que sou”, ela disse. Belinda, ela era essa senhora corpulenta num suéter horrível e um velho vestido liso. Mas quando ela sorria, eu juro, a Inglaterra de levantava!

Belinda abriu o livro. Na orelha estava escrito:

Para a amiga americana de Jetboy, Belinda,

Da Sra. William Heelis (“Beatrix Potter”)

12 de Abril de 1943.

Jetboy bebeu do café que Belinda havia preparado para ele.

- Onde estão suas amigas? – ele perguntou.

- Bem, elas já deviam ter chagado. Eu estava pensando em descer até o hall e usar o telefone para ligar para elas. Eu posso me trocar, e nós podemos nos sentar e falar dos velhos tempos. Eu realmente posso ligar.

- Não. – disse Jetboy. – Façamos o seguinte. Eu ligo para você durante a semana e nós saímos uma noite que você não estiver ocupada. Seria divertido.

- Seria mesmo.

Jetboy se levantou.

- Obrigado pelos livros, Bobby. Eles significam muito para mim, muito mesmo.

- É muito bom vê-la de novo, Bê.

- Ninguém me chama assim desde o orfanato. Me ligue logo, viu?

- Claro. – ele se abaixou e beijou-a novamente.

Ele andou até as escadas. Enquanto descia, um homem usando calças largas nos quadris e justas nos tornozelos, casaca, corrente de relógio, gravata borboleta, cabelo lambido para trás, cheirando a brilhantina e Old Spice; subiu as escadas dois degraus por vez, assobiando It Ain’t the Meat, It’s the Motion.

Jetboy ouviu quando ele bateu na porta de Belinda. Lá fora, começou a chover.

- Ótimo. Igualzinho a um filme. – disse Jetboy.

* * *

A noite seguinte estava silenciosa como um túmulo.

Então cães começaram a latir por toda a Pine Barrens. Gatos gritavam. Pássaros voavam em pânico de centenas de árvores, voando em círculos para esse a para aquele lado na noite escura.

Estática invadiu os rádios de todo o nordeste dos Estados Unidos. Televisões novas faiscaram, com volume dobrado. Pessoas reunidas em torno de Dumonts de nove polegadas saltaram para trás com o barulho e a luz súbita, atordoados em suas próprias salas-de-estar e bares e calçadas em frente a lojas de eletrônicos por toda a Costa Oeste.

Para aqueles que estavam ao ar livre naquela noite quente de Agosto foi ainda mais espetacular. Uma fina luz se moveu no alto, brilhou mais forte, ainda caindo. Depois cresceu, aumentando também em brilho, mudou para um bólido azul-esverdeado, parou por um instante e se dividiu em uma centena de faíscas que caíam e lentamente desapareciam no negro céu estrelado. Alguns disseram ter visto outra luz, menor, alguns minutos depois. Os jornais ficaram cheios de histórias sobre os “foguetes-fantasmas” na Suíça por todo o verão. Era a temporada das bobagens.

Umas poucas ligações para o centro metereológico ou bases da Força Aérea resultaram em respostas de que provavelmente foi um desgarramento da chuva de meteoros do Delta Aquarid.

Em Pine Barrens, alguém sabia que tinha sido outra coisa, mas não estava no humor de comunicar isso a mais ninguém.

Jetboy, vestindo um par de calças folgado, uma camisa e uma jaqueta marrom de aviador, atravessou as portas da Companhia Blackwell de Impressão. Havia uma placa vermelha-e-azul brilhante sobre a porta: Lar da Companhia Cosh de Quadrinhos. Ele parou junto à mesa da recepcionista.

- Robert tomlin para ver o Sr. Farrell.

A secretária, uma loura magra usando óculos de aros alongados que faziam parecer que um morcego estava descansando em seu rosto, o encarou.

- O Sr. Farrell faleceu no inverno de 1945. Você estava servindo, ou algo do tipo?

- Algo do tipo.

- Você gostaria de falar com o Sr. Lowboy? Ele ocupa o cargo do Sr. Farrell agora.

- Qualquer um que esteja encarregado dos quadrinhos do Jetboy.

O lugar todo começou a tremer quando as prensas no fundo do prédio começaram a funcionar. Nas paredes do escritório haviam capas de revistas em quadrinhos emolduradas, com promessas que só elas poderiam cumprir.

- Robert Tomlin. – disse a secretária no interfone.

- (Ruído) nunca ouvi falar (ruído).

- Qual era mesmo o assunto? – perguntou a secretária.

- Diga que Jetboy quer vê-lo.

- Oh! – ela disse, olhando para ele. – Me desculpe. Não o reconheci.

- Ninguém nunca reconhece.

Lowboy parecia um gnomo com todo aquele sangue faltando. Ele era pálido como deveria ter sido Harry Langdon, como uma erva-daninha crescida em um saco de café.

- Jetboy! – ele estendeu um conjunto de deod que mais pareciam um monte de vermes, de tão finos. – Todos pensamos que você tinha morrido até vermos os jornais semana passada. Você é um verdadeiro herói nacional, sabia?

- Não me sinto como um.

- O que posso fazer por você? Não que eu não esteja feliz de finalmente conhece-lo. Mas você deve ser um homem ocupado.

- Bem, pra começar, eu descobri que nenhum dos cheques de licensiamento e direitos autorais foi depositado na minha conta desde que eu fui declarado Desaparecido e Presumivelmente Morto no último verão.

- Quê? É mesmo? O departamento jurídico deve ter posto os pagamentos em suspenso ou algo do tipo até alguém aparecer para reivindica-los. Vou manda-los resolver isso já.

- Bem, eu gostaria do cheque agora, antes de ir embora. – disse Jetboy.

- Anh? Eu não sei se eles podem fazer isso agora. Me parece bastante abrupto.

Jetboy o encarou.

- Certo, certo, me deixe ligar para a Contabilidade.

Ele gritou ao telefone.

- Oh! – disse Jetboy. – Um amigo vem colecionando minhas edições. Eu verifiquei a declaração de propriedade e circulação dos últimos dois anos. Eu sei que os Quadrinhos do Jetboy têm vendido quinhentas mil cópias por número ultimamente.

Lowboy gritou mais um pouco no telefone, e o pôs no gancho.

- Vai levar um tempinho. Algo mais?

- Eu não gosto do que está acontecendo no gibi. – disse Jetboy.

- O que há para não gostar? Está vendendo meio milhão de cópias por mês!

- Pra começar, o avião está parecendo cada vez mais com uma bala. E os desenhistas estão fazendo as asas curvadas para trás, pelo amor de Deus!

- É a Era Atômica, garoto. Os garotos de hoje em dia não gostam de um avião que pareça com um pernil com abotoadeiras penduradas na ponta.

- Bem, ele sempre foi assim. E mais uma coisa: por que a droga do avião está azul nas três últimas edições?

- Não é minha culpa. Eu gosto de vermelho. Mas o Sr. Blackwell enviou um memorando, dizendo que chega de vermelho, a não ser para sangue. Ele é um grande Legionário.

- Diga a ele que o avião tem que estar certo, e com a cor certa. Além disso, os relatórios de combate foram enviados a vocês. Quando Farrell estava sentado na sua mesa, o gibi era sobre vôos e combates, e sobre destruir círculos de espionagem: coisas reais. E nunca houve mais de duas histórias de dez páginas em cada edição de Jetboy.

- Quando Farrell ocupava essa mesa, a revista só vendia um quarto de milhão de cópias por mês. – disse Lowboy.

Robert o encarou novamente.

- Eu sei que a Guerra acabou e todos querem uma casa nova e novasdiversões. – disse Jetboy. – Mas veja o que eu descobri nas últimas dezoito edições. Eu nunca lutei contra ninguém como o Tomador, em nenhum lugar como A Montanha do Destino. E me poupe! O Esqueleto Vermelho? Senhor Verme? Professor Blooteaux? Que obsessão é essa com caveiras e tentáculos? Quero dizer, gêmeos malignos chamados Sturm e Drang Hohenzollern? O Macaco Antropóide, um gorila com seis pares de sobrancelhas? Onde vocês arrumam essas coisas?

- Não sou eu. São os roteiristas. É um povo maluco, sempre tomando Benzedrine e outras porcarias. Além disso, é o que os garotos querem!

- E quanto aos especiais aéreos, e os artigos sobre heróis verdadeiros da aviação? Pensei que meu contrato exigia pelo menos dois especiais por edição sobre eventos e pessoas reais.

- Vamos ter de rever isso. Mas posso lhe dizer, os garotos não querem mais essas coisas. Eles querem monstros, naves espaciais, coisas que os façam molhar as camas. Você se lembra? Você já foi criança um dia.

Lowboy ficou em silêncio por um instante.

- Vou lhe dizer o que você precisa fazer. – ele disse. – Você precisa escrever tudo o que você não gosta no gibi e nos enviar. Vou fazer o departamento jurídico analisar isso e vamos tentar resolver, achar um meio-termo. Claro que, como imprimimos três edições à frente, o novo material só aparecerá perto das Ações de Graça. Ou mais tarde.

Jetboy suspirou.

- Entendo.

- Eu com certeza quero vê-lo feliz, pois Jatboy é meu gibi favorito. Não, é sério. Os outros são puramente um trabalho. Meu Deus, e que trabalho: prazos, gente bêbada e pior, coordenar uma horda de impressoras, você nem imagina. Mas eu gosto de trabalhar em Jetboy. É especial.

- Bem, fico feliz.

- Claro, claro. – Lowboy tamborilou os dedos na mesa. – Por que será que estão demorando tanto?

- Provavelmente destruindo os livros de contabilidade. – disse Jetboy.

- Claro que não! Fazemos tudo certo por aqui! – Lowboy se levantou.

- Só estava brincando.

- Me diga uma coisa… No jornal dizia que você estava preso numa ilha deserta ou algo assim? Tempos difíceis?

- Bem, solitários. Enjoeei de comer tanto peixe. Na maior parte do tempo era só chato, e eu sentia falta de tudo. Fiquei lá do dia 29 de Abril de ’45 até o mês passado. Por vezes achei que ia pirar. Não podia acreditar quando, uma manhã, acordei e havia um U. S. S. Reluctant ancorado a pouco mais de um quilômetro e meio da praia. Eu disparei um sinalizador e eles me pegaram. Levou um mês para achar um lugar para consertar o avião, descansar um pouco e voltar para casa. Estou feliz de estar de volta.

- Posso imaginar. Ei, havia muitos animais perigosos na ilha? Como leões, tigres e etecetera?

Jetboy riu.

- Tinha menos de dois quilômetros de largura, e uns dois quilômetros e meio de comprimento. Tinha pássaros, ratos e alguns lagartos.

- Lagartos? Grandes? Venenosos?

- Não. Pequenos. Devo ter comido metade deles antes de deixar a ilha. Acabei ficando muito bom com um estilingue feito de uma mangueira de oxigênio.

- Aposto que sim!

A porta se abriu e um homem alto com uma camisa suja de tinta entrou.

- É ele? – perguntou Lowboy.

- Só o vi uma vez, mas parece com ele. – disse o homem.

- É o bastante pra mim. – disse Lowboy.

- Não para mim. – disse o contador. – Me mostre alguma identificação e assine o recibo.

Jetboy mostrou e assinou. Ele olhou para o valor do cheque. Tinha muitos dígitos à frente dos decimais. Ele dobrou o cheque e o guardou no bolso.

- Vou deixar meu endereço com a secretária para o próximo cheque. E vou enviar uma carta com as objeções esta semana.

- Faça isso. Foi um prazer conhece-lo. Tomara que tenhamos uma longa e próspera relação de negócios.

- Obrigado, eu acho. – disse Jetboy. Ele e o contador saíram. Lowboy se reclinou em sua cadeira giratória. Colocou as mãos atrás da cabeça e observou a prateleira no outro lado da sala.

Então se jogou para a frente, apanhou o telefone e digitou nove para uma ligação externa. Ligou para o roteirista-chefe dos Quadrinhos do Jetboy.

Uma voz tremida e com ressaca respondeu.

- Vá limpar suas idéias, aqui é Lowboy. Imagine só: especial de cinqüenta e duas páginas, edição com uma única história. Jetboy na Ilha dos Dinossauros! Pegou? Vejo montes de homens-das-cavernas, um broto, aquele sei-lá-o-quê-rex. Quê? Isso, isso, um tiranossauro. Talvez um bando de soldados japoneses perdidos. Você sabe. É, talvez um samurai. Quando? Desapareceram em 1100 D.C.? Jesus. Que seja. Você sabe bem o que precisamos. Que dia é hoje? Terça. Você tem até cinco da tarde de quinta-feira, certo? Pare de reclamar. São cento e cinqüenta dólares fáceis de ganhar. Te vejo lá.

Ele desligou. Então ligou para um desenhista e lhe disse o que queria para a capa.

* * *

Ed e Fred estavam voltando de uma entrega em Pine Barrens.

Dirigiam um caminhão de cimento de sete metros. Na traseira até alguns minutos antes haviam seis metros cúbicos de concreto novo. Oito horas antes, eram cinco de água, areia, cascalho e cimento, e um ingrediente secreto.

O ingrediente secreto havia quebrado três das Cinco Leis Inquebráveis de transporte em uma rodovia estatal livre de impostos.

Ele haviam sido levados por um outro negociante a um centro completo de equipamentos de construção, e ele lhe mostrou como utilizar um misturador de cimento.

Não que Ed e Fred tivessem algo com isso. Eles foram chamados uma hora antes e perguntados se podiam levar um caminhão de cimento através da mata por algumas centenas de dólares.

A mata estava escura, não muito longe da cidade. Nem parecia que estavam a cerca de 160 quilômetros de uma cidade com mais de quinhentos mil habitantes.

Os faróis iluminaram fileiras onde todo tipo de coisa, de velhos aviões a garrafas de ácido-sulfúrico, se empilhava em montes. Alguns dos despejos ainda estavam frescos. Fumaça e fogo saía de alguns. Outros brilhavam sem combustão. Uma poça de metal borbulhou e espirrou com a aproximação deles.

Logo eles estavam entre os velhos pinheiros novamente, balançando de raiz a raiz.

- Ei! – griou Ed. – Pare!

Fred pisou forte nos freios, e o motor morreu.

- Diabos! – ele disse. – Que merda há com você?

- Lá atrás! Eu juro que vi um cara empurrando um ovo brilhante do tamanho de Cleveland.

- Eu não volto nem fodendo. – disse Fred.

- Qual é? Você não vê esse tipo de coisa todo dia.

- Merda, Ed. Um dia você vai acabar nos matando!

Não era um ovo. Eles não precisavam de lanternas para dizer que não era uma mina magnética também. Era uma cápsula redonda que brilhava sozinha, com diversas cores que mudavam. O homem que a empurrava desaparecia por trás dela.

- Parece um tatu brilhante enrolado. – disse Fred, que já havia estado no oeste.

O homem atrás da coisa piscou para eles, sem poder ver além de suas lanternas. Ele estava sujo e com as roupas rasgadas, com uma barba manchada pelo tabaco e cabelos cinzas emaranhados.

Eles se aproximaram.

- É meu! – ele lhes disse, parando na frente da coisa, cruzando os braços sobre ela.

- Calma, coroa. – disse Ed. – O que você tem aí?

- Minha passagem para a vida mansa. Vocês são da Aeronáutica?

- Ah, não. Vamos dar uma olhada nisso.

O homem apanhou uma pedra.

- Para trás! Eu achei quando descobri o avião caído. A Aeronáutica vai me pagar muito pra ter essa bomba atômica de volta!

- Isso não parece com nenhuma bomba atômica que eu já tenha visto. – disse Fred. – Veja as letras desse lado. Nem é inglês.

- Claro que não! Deve ser uma arma secreta. Por isso eles a fizeram tão esquisita.

- Eles quem?

- Eu lhes contei mais do que eu queria. Saiam do meu caminho. – Fred olhou para o velho.

- Você chamou minha atenção. – ele disse. – Me conte mais.

- Fora do meu caminho, garoto! Eu matei um homem por uma lata de xarope uma vez.

Fred pôs a mão no casaco e tirou uma pistola de cano largo.

- Ela caiu na noite passada. – disse o velho, com olhos selvagens. – Me acordou. Acendeu o céu inteiro. Procurei por ela o dia todo, imaginando que a mata ia estar cheia do povo da Aeronáutica e patrulheiros estaduais, mas ninguém apareceu. Encontrei logo antes de escurecer, hoje. Se espatifou. As asas foram totalmente arrancadas na queda. Todas essas pessoas com roupas estranhas espalhadas. Mulheres também. – ele baixou a cabeça por um instante, envergonhado. – De qualquer forma, estavam todos mortos. Devia ser um avião a jato, não encontrei nenhum tipo de turbina. E essa bomba atômica estava simplesmente me esperando no meio dos escombros. Imaginei que a Aeronáutica fosse pagar muito bem pra te-la de volta. Um amigo meu achou um balão meterológico uma vez e lhe deram um dólar e vinte-e-cinco centavos. Imaginei que isso fosse um milhão de vezes mais importante que aquilo.

Fred riu.

- Um dólar e vinte e cinco, hein? Eu lhe dou dez dólares por isso.

- Eu posso conseguir um milhão!

Fred soltou a trava do revólver.

- Cinqüenta! – disse o velho.

- Vinte.

- Não é justo. Mas eu aceito.

- O que você vai fazer com isso? – perguntou Ed.

- Levar para o Dr. Tod. – disse Fred. – Ele vai saber o que fazer com isso. Ele é do tipo científico.

- E se for uma bomba-A?

- Bem, eu não acho que bombas-A tenham luzes coloridas. E o velho estava certo. A floresta estaria cheia de gente da Aeronáutica se eles tivessem perdido uma bomba atômica. Diabos, só cinco delas explodiram até hoje. Eles não podem ter mais de uma dúzia, e você pode apostar que eles sabem onde está cada uma, o tempo todo.

- Bem, não é uma mina. – disse Ed. – O que você acha que é?

- Não me importa. Se valer algum dinheiro, o Dr. Tod dividirá conosco. Ele é um cara direito.

- Para um malandro. – disse Ed.

Eles riram e riram, e a coisa balançou na traseira do caminhão.



[1] Uma nota de cinco dólares e duas de vinte.

Nenhum comentário: