O pequeno barco se dirigiu até a doca no nevoeiro. Lá fora, no porto, um navio terminava de limpar a proa e voltava a expelir fumaça em direção ao sul.

Havia três homens na amarração: Fred e Ed e Filmore. Um homem pisou fora do barco com uma maleta nas mãos. Filmore se inclinou e deu ao homem ao volante do barco a motor um Lincoln e dois Jacksons[1], depois ajudou o homem com a pasta.

- Bem-vindo ao lar, Dr. Tod.

- É bom estar de volta, Filmore. – Tod vestia um terno “baggy” e um sobretudo, apesar de ainda estarem em Agosto. O chapéu cobria o rosto, e dele um brilho metálico refletia nas luzes pálidas do armazém.

- Este é Fred, e este é Ed. – disse Filmore. – Eles só vão ficar esta noite.

- Olá. – disse Fred.

- Olá. – disse Ed.

Andaram de volta até o carro, um Merc ’46 que mais parecia um submarino. Saltaram para dentro dele, Fred e Ed vigiando os dois lados das alamedas enevoadas. Então Fred se sentou atrás do volante e Ed carregou a espingarda, com uma calibre 10 de ponta serrada.

- Ninguém está me esperando. Ninguém se importa. – disse o Dr. Tod. – Todos que já tiveram algo contra mim estão mortos ou se endireitaram durante a guerra. Estou velho e cansado. Vou para o campo criar abelhas e jogar em cavalos e com o mercado.

- Nenhum plano, chefe?

- Nada.

Ele virou o rosto ao passarem por um poste. Metade de seu rosto não existia mais, uma placa lisa que ia do queixo à linha do chapéu, da narina à orelha esquerda.

- Não posso mais atirar, por exemplo. Minha noção de profundidade não é o que costumava ser.

- Eu não devia perguntar... – disse Filmore. – Ouvimos dizerque algo aconteceu em ’43.

- Eu estava numa operação um tanto quanto rentável fora do Egito enquanto a Corporação Africana se desfazia. Levava e trazia pessoas por uma taxa em aviões supostamente neutros. Um negócio paralelo. Foi quando cruzei com aviador do momento.

- Quem?

- O garoto com o avião a jato, antes dos Alemães construírem os deles.

- Vou lhe confessar, chefe, que não acompanhei muito a guerra. Só li um pouco sobre conflitos territoriais.

- Como eu deveria ter feito. – disse o Dr. Tod. – Estávamos voando para fora da Tunísia. Alguns caras importantes estavam conosco naquela viagem. O piloto gritou. Houve uma grande explosão. Quando dou por mim, já é a manhã seguinte e eu e outra pessoa estamos num bote salva-vidas no meio do mediterrâneo. Meu rosto dói. Levantei e algo caiu no fundo do bote. Era meu olho esquerdo. Ele estava olhando pra mim. Eu sabia que estava encrencado.

- Você disse que era um garoto num jato? – perguntou Ed.

- Sim. Descobrimos depois que haviam decifrado nosso código, e ele voou seiscentas milhas para nos interceptar.

- Quer se vingar? – perguntou Filmore.

- Não. Foi há tanto tempo que eu mal me lembro do lado esquerdo do meu rosto. Isso me ensinou a ser mais cuidadoso. Eu encaro isso como construção de caráter.

- Então não há planos, hein?

- Nem mesmo um. – disse Dr. Tod.

- Vai ser bom, pra variar. – disse Filmore. Eles viram as luzes da cidade desaparecerem.

* * *

Ele bateu na porta, desconfortável no seu terno marrom e casaco novos.

- Entre, está aberta. – disse uma voz de mulher. Então completou: - Fico pronta em um minuto.

Jetboy abriu a porta de carvalho do hall e entrou no aposento, atrás da divisória de tijolos-de-vidro.

Uma linda mulher parou no meio da sala, um vestido na metade de seus braços e cabeça. Ela vestia uma camisola, cinta-liga e meia-calças de seda. Ela puxava o vestido para baixo com uma das mãos.

Jetboy virou a cabeça , corado, e virou de costas.

- Oh! – disse a mulher. – Oh! Eu... Quem?

- Sou eu, Belinda. – ele disse. – Robert.

- Robert?

- Bobby. Bobby Tomlin.

Ela o encarou por um momento, suas mãos cruzadas sobre o peito, apesar de já estar totalmente vestida.

- Oh, Bobby! – ela disse, e foi até ele abraçando-o e dando um grande beijo em seus lábios.

Era o que ele esperava há seis anos.

- Bobby. É tão bom ver você. Eu... Eu estava esperando outra pessoas. Umas amigas. Como me achou?

- Bem, não foi fácil.

Ela recuou.

- Deixe-me olhar para você.

Ele olhou para ela. A última vez que a vira ela tinha quatorze anos, uma menina reta, ainda no orfanato. Ela era uma garota magra de cabelos louros desajeitados. Uma vez, com onze anos, ela quase o espancara. Era um ano mais velha que ele. Então ele foi embora, para trabalhar nos campos de batalha aéreos, depois para lutar com os Britânicos contra Hitler. Ele escrevera para ela sempre que pudera, durante toda a guerra, depois que os Estados Unidos se aliaram. Ela havia deixado o orfanato e levada para um lar adotivo. Em ’44 uma das cartas dele voltaram de lá com o carimbo “Mudou – Sem endereço novo”. Então ele ficou perdido durante o último ano.

- Você mudou, também. – ele disse.

- Assim como você.

- É.

- Eu acompanhei os jornais durante toda a guerra. Tentei escrever para você mas acho que as cartas nunca chegaram. Então disseram que você havia sumido no mar, e eu meio que desisti.

- Bem, eu sumi. Mas eles me encontraram. Estou de volta agora. Como você tem passado?

- Muito bem, desde que fugi do lar adotivo. – ela disse. Uma aparência de dor surgiu no rosto dela. – Você não sabe como fiquei feliz de sair de lá. Oh, Bobby. – ela disse. – Oh, eu queria que as coisas tivessem sido diferentes.

Ela começou a chorar.

- Ei. – ele disse, segurando-a pelos ombros. – Sente-se. Eu tenho algo para você.

- Um presente?

- É. – ele lhe entregou um pacote de papel desbotado e sujo de óleo. – Eu os carreguei comigo os dois últimos anos da guerra. Eles estavam comigo naquela ilha. Desculpe não ter tempo de reembrulhar.

Ela rasgou o papel de açougue. Dentro havia cópias de The House at Pooh Corner e The Tale of the Fierce Bad Rabbit.

- Oh. – disse Belinda. – Obrigado.

Ele lembrou dela vestindo o uniforme do orfanato, suja e cansada de um jogo de beisebol, jogada na sala de leitura com um livro do Ursinho Pooh aberto à frente dela.

- O livro do Ursinho Pooh está autografado pelo verdadeiro Christopher Robin. – ele disse. – Eu descobri que ele era um oficial da FAR numa das bases da Inglaterra. Ele disse que não costuma fazer esse tipo de coisa, que era só mais um aviador. Eu disse que não contaria a ninguém. Eu procurei por tudo até achar uma cópia, e ele sabia disso.

- Esse outro tem mais história por trás dele. Eu estava voltando perto do anoitecer, escoltando alguns B-17s avariados. Olhei para cima e vi dois lutadores noturnos Alemães vindo na nossa direção, provavelmente em patrulha, tentando pegar alguns Lancaster antes que passassem sobre o Canal.

- Para resumir a história, eu derrubei os dois; eles caíram perto de uma pequena vila. Mas eu estava sem combustível e precisava descer. Vi uma bonita pastagem com um lado na extremidade, e segui para lá. Quando desci da cabine, vi uma moça e um cão-pastor parados na ponta do campo. Ela tinha uma espingarda. Quando chegou perto o suficiente para ver o motor e os decalques, ela disse, “Boa Pontaria” Não quer entrar para um desjejum e usar o telefone para ligar para o Comando de Batalha?” Podíamos ver os dois ME-110s queimando à distância. “Você é o famoso Jetboy”, ela disse. “Temos acompanhado seu progresso no jornal de Sawrey. Sou a Sra. Heelis” ela esticou a mão.

- Eu a cumprimentei. “Sra. William Heelis? E este é Sawrey?” “Sim”, ela disse. “Você é Beatrix Potter!”, eu disse. “Acho que sou”, ela disse. Belinda, ela era essa senhora corpulenta num suéter horrível e um velho vestido liso. Mas quando ela sorria, eu juro, a Inglaterra de levantava!

Belinda abriu o livro. Na orelha estava escrito:

Para a amiga americana de Jetboy, Belinda,

Da Sra. William Heelis (“Beatrix Potter”)

12 de Abril de 1943.

Jetboy bebeu do café que Belinda havia preparado para ele.

- Onde estão suas amigas? – ele perguntou.

- Bem, elas já deviam ter chagado. Eu estava pensando em descer até o hall e usar o telefone para ligar para elas. Eu posso me trocar, e nós podemos nos sentar e falar dos velhos tempos. Eu realmente posso ligar.

- Não. – disse Jetboy. – Façamos o seguinte. Eu ligo para você durante a semana e nós saímos uma noite que você não estiver ocupada. Seria divertido.

- Seria mesmo.

Jetboy se levantou.

- Obrigado pelos livros, Bobby. Eles significam muito para mim, muito mesmo.

- É muito bom vê-la de novo, Bê.

- Ninguém me chama assim desde o orfanato. Me ligue logo, viu?

- Claro. – ele se abaixou e beijou-a novamente.

Ele andou até as escadas. Enquanto descia, um homem usando calças largas nos quadris e justas nos tornozelos, casaca, corrente de relógio, gravata borboleta, cabelo lambido para trás, cheirando a brilhantina e Old Spice; subiu as escadas dois degraus por vez, assobiando It Ain’t the Meat, It’s the Motion.

Jetboy ouviu quando ele bateu na porta de Belinda. Lá fora, começou a chover.

- Ótimo. Igualzinho a um filme. – disse Jetboy.

* * *

A noite seguinte estava silenciosa como um túmulo.

Então cães começaram a latir por toda a Pine Barrens. Gatos gritavam. Pássaros voavam em pânico de centenas de árvores, voando em círculos para esse a para aquele lado na noite escura.

Estática invadiu os rádios de todo o nordeste dos Estados Unidos. Televisões novas faiscaram, com volume dobrado. Pessoas reunidas em torno de Dumonts de nove polegadas saltaram para trás com o barulho e a luz súbita, atordoados em suas próprias salas-de-estar e bares e calçadas em frente a lojas de eletrônicos por toda a Costa Oeste.

Para aqueles que estavam ao ar livre naquela noite quente de Agosto foi ainda mais espetacular. Uma fina luz se moveu no alto, brilhou mais forte, ainda caindo. Depois cresceu, aumentando também em brilho, mudou para um bólido azul-esverdeado, parou por um instante e se dividiu em uma centena de faíscas que caíam e lentamente desapareciam no negro céu estrelado. Alguns disseram ter visto outra luz, menor, alguns minutos depois. Os jornais ficaram cheios de histórias sobre os “foguetes-fantasmas” na Suíça por todo o verão. Era a temporada das bobagens.

Umas poucas ligações para o centro metereológico ou bases da Força Aérea resultaram em respostas de que provavelmente foi um desgarramento da chuva de meteoros do Delta Aquarid.

Em Pine Barrens, alguém sabia que tinha sido outra coisa, mas não estava no humor de comunicar isso a mais ninguém.

Jetboy, vestindo um par de calças folgado, uma camisa e uma jaqueta marrom de aviador, atravessou as portas da Companhia Blackwell de Impressão. Havia uma placa vermelha-e-azul brilhante sobre a porta: Lar da Companhia Cosh de Quadrinhos. Ele parou junto à mesa da recepcionista.

- Robert tomlin para ver o Sr. Farrell.

A secretária, uma loura magra usando óculos de aros alongados que faziam parecer que um morcego estava descansando em seu rosto, o encarou.

- O Sr. Farrell faleceu no inverno de 1945. Você estava servindo, ou algo do tipo?

- Algo do tipo.

- Você gostaria de falar com o Sr. Lowboy? Ele ocupa o cargo do Sr. Farrell agora.

- Qualquer um que esteja encarregado dos quadrinhos do Jetboy.

O lugar todo começou a tremer quando as prensas no fundo do prédio começaram a funcionar. Nas paredes do escritório haviam capas de revistas em quadrinhos emolduradas, com promessas que só elas poderiam cumprir.

- Robert Tomlin. – disse a secretária no interfone.

- (Ruído) nunca ouvi falar (ruído).

- Qual era mesmo o assunto? – perguntou a secretária.

- Diga que Jetboy quer vê-lo.

- Oh! – ela disse, olhando para ele. – Me desculpe. Não o reconheci.

- Ninguém nunca reconhece.

Lowboy parecia um gnomo com todo aquele sangue faltando. Ele era pálido como deveria ter sido Harry Langdon, como uma erva-daninha crescida em um saco de café.

- Jetboy! – ele estendeu um conjunto de deod que mais pareciam um monte de vermes, de tão finos. – Todos pensamos que você tinha morrido até vermos os jornais semana passada. Você é um verdadeiro herói nacional, sabia?

- Não me sinto como um.

- O que posso fazer por você? Não que eu não esteja feliz de finalmente conhece-lo. Mas você deve ser um homem ocupado.

- Bem, pra começar, eu descobri que nenhum dos cheques de licensiamento e direitos autorais foi depositado na minha conta desde que eu fui declarado Desaparecido e Presumivelmente Morto no último verão.

- Quê? É mesmo? O departamento jurídico deve ter posto os pagamentos em suspenso ou algo do tipo até alguém aparecer para reivindica-los. Vou manda-los resolver isso já.

- Bem, eu gostaria do cheque agora, antes de ir embora. – disse Jetboy.

- Anh? Eu não sei se eles podem fazer isso agora. Me parece bastante abrupto.

Jetboy o encarou.

- Certo, certo, me deixe ligar para a Contabilidade.

Ele gritou ao telefone.

- Oh! – disse Jetboy. – Um amigo vem colecionando minhas edições. Eu verifiquei a declaração de propriedade e circulação dos últimos dois anos. Eu sei que os Quadrinhos do Jetboy têm vendido quinhentas mil cópias por número ultimamente.

Lowboy gritou mais um pouco no telefone, e o pôs no gancho.

- Vai levar um tempinho. Algo mais?

- Eu não gosto do que está acontecendo no gibi. – disse Jetboy.

- O que há para não gostar? Está vendendo meio milhão de cópias por mês!

- Pra começar, o avião está parecendo cada vez mais com uma bala. E os desenhistas estão fazendo as asas curvadas para trás, pelo amor de Deus!

- É a Era Atômica, garoto. Os garotos de hoje em dia não gostam de um avião que pareça com um pernil com abotoadeiras penduradas na ponta.

- Bem, ele sempre foi assim. E mais uma coisa: por que a droga do avião está azul nas três últimas edições?

- Não é minha culpa. Eu gosto de vermelho. Mas o Sr. Blackwell enviou um memorando, dizendo que chega de vermelho, a não ser para sangue. Ele é um grande Legionário.

- Diga a ele que o avião tem que estar certo, e com a cor certa. Além disso, os relatórios de combate foram enviados a vocês. Quando Farrell estava sentado na sua mesa, o gibi era sobre vôos e combates, e sobre destruir círculos de espionagem: coisas reais. E nunca houve mais de duas histórias de dez páginas em cada edição de Jetboy.

- Quando Farrell ocupava essa mesa, a revista só vendia um quarto de milhão de cópias por mês. – disse Lowboy.

Robert o encarou novamente.

- Eu sei que a Guerra acabou e todos querem uma casa nova e novasdiversões. – disse Jetboy. – Mas veja o que eu descobri nas últimas dezoito edições. Eu nunca lutei contra ninguém como o Tomador, em nenhum lugar como A Montanha do Destino. E me poupe! O Esqueleto Vermelho? Senhor Verme? Professor Blooteaux? Que obsessão é essa com caveiras e tentáculos? Quero dizer, gêmeos malignos chamados Sturm e Drang Hohenzollern? O Macaco Antropóide, um gorila com seis pares de sobrancelhas? Onde vocês arrumam essas coisas?

- Não sou eu. São os roteiristas. É um povo maluco, sempre tomando Benzedrine e outras porcarias. Além disso, é o que os garotos querem!

- E quanto aos especiais aéreos, e os artigos sobre heróis verdadeiros da aviação? Pensei que meu contrato exigia pelo menos dois especiais por edição sobre eventos e pessoas reais.

- Vamos ter de rever isso. Mas posso lhe dizer, os garotos não querem mais essas coisas. Eles querem monstros, naves espaciais, coisas que os façam molhar as camas. Você se lembra? Você já foi criança um dia.

Lowboy ficou em silêncio por um instante.

- Vou lhe dizer o que você precisa fazer. – ele disse. – Você precisa escrever tudo o que você não gosta no gibi e nos enviar. Vou fazer o departamento jurídico analisar isso e vamos tentar resolver, achar um meio-termo. Claro que, como imprimimos três edições à frente, o novo material só aparecerá perto das Ações de Graça. Ou mais tarde.

Jetboy suspirou.

- Entendo.

- Eu com certeza quero vê-lo feliz, pois Jatboy é meu gibi favorito. Não, é sério. Os outros são puramente um trabalho. Meu Deus, e que trabalho: prazos, gente bêbada e pior, coordenar uma horda de impressoras, você nem imagina. Mas eu gosto de trabalhar em Jetboy. É especial.

- Bem, fico feliz.

- Claro, claro. – Lowboy tamborilou os dedos na mesa. – Por que será que estão demorando tanto?

- Provavelmente destruindo os livros de contabilidade. – disse Jetboy.

- Claro que não! Fazemos tudo certo por aqui! – Lowboy se levantou.

- Só estava brincando.

- Me diga uma coisa… No jornal dizia que você estava preso numa ilha deserta ou algo assim? Tempos difíceis?

- Bem, solitários. Enjoeei de comer tanto peixe. Na maior parte do tempo era só chato, e eu sentia falta de tudo. Fiquei lá do dia 29 de Abril de ’45 até o mês passado. Por vezes achei que ia pirar. Não podia acreditar quando, uma manhã, acordei e havia um U. S. S. Reluctant ancorado a pouco mais de um quilômetro e meio da praia. Eu disparei um sinalizador e eles me pegaram. Levou um mês para achar um lugar para consertar o avião, descansar um pouco e voltar para casa. Estou feliz de estar de volta.

- Posso imaginar. Ei, havia muitos animais perigosos na ilha? Como leões, tigres e etecetera?

Jetboy riu.

- Tinha menos de dois quilômetros de largura, e uns dois quilômetros e meio de comprimento. Tinha pássaros, ratos e alguns lagartos.

- Lagartos? Grandes? Venenosos?

- Não. Pequenos. Devo ter comido metade deles antes de deixar a ilha. Acabei ficando muito bom com um estilingue feito de uma mangueira de oxigênio.

- Aposto que sim!

A porta se abriu e um homem alto com uma camisa suja de tinta entrou.

- É ele? – perguntou Lowboy.

- Só o vi uma vez, mas parece com ele. – disse o homem.

- É o bastante pra mim. – disse Lowboy.

- Não para mim. – disse o contador. – Me mostre alguma identificação e assine o recibo.

Jetboy mostrou e assinou. Ele olhou para o valor do cheque. Tinha muitos dígitos à frente dos decimais. Ele dobrou o cheque e o guardou no bolso.

- Vou deixar meu endereço com a secretária para o próximo cheque. E vou enviar uma carta com as objeções esta semana.

- Faça isso. Foi um prazer conhece-lo. Tomara que tenhamos uma longa e próspera relação de negócios.

- Obrigado, eu acho. – disse Jetboy. Ele e o contador saíram. Lowboy se reclinou em sua cadeira giratória. Colocou as mãos atrás da cabeça e observou a prateleira no outro lado da sala.

Então se jogou para a frente, apanhou o telefone e digitou nove para uma ligação externa. Ligou para o roteirista-chefe dos Quadrinhos do Jetboy.

Uma voz tremida e com ressaca respondeu.

- Vá limpar suas idéias, aqui é Lowboy. Imagine só: especial de cinqüenta e duas páginas, edição com uma única história. Jetboy na Ilha dos Dinossauros! Pegou? Vejo montes de homens-das-cavernas, um broto, aquele sei-lá-o-quê-rex. Quê? Isso, isso, um tiranossauro. Talvez um bando de soldados japoneses perdidos. Você sabe. É, talvez um samurai. Quando? Desapareceram em 1100 D.C.? Jesus. Que seja. Você sabe bem o que precisamos. Que dia é hoje? Terça. Você tem até cinco da tarde de quinta-feira, certo? Pare de reclamar. São cento e cinqüenta dólares fáceis de ganhar. Te vejo lá.

Ele desligou. Então ligou para um desenhista e lhe disse o que queria para a capa.

* * *

Ed e Fred estavam voltando de uma entrega em Pine Barrens.

Dirigiam um caminhão de cimento de sete metros. Na traseira até alguns minutos antes haviam seis metros cúbicos de concreto novo. Oito horas antes, eram cinco de água, areia, cascalho e cimento, e um ingrediente secreto.

O ingrediente secreto havia quebrado três das Cinco Leis Inquebráveis de transporte em uma rodovia estatal livre de impostos.

Ele haviam sido levados por um outro negociante a um centro completo de equipamentos de construção, e ele lhe mostrou como utilizar um misturador de cimento.

Não que Ed e Fred tivessem algo com isso. Eles foram chamados uma hora antes e perguntados se podiam levar um caminhão de cimento através da mata por algumas centenas de dólares.

A mata estava escura, não muito longe da cidade. Nem parecia que estavam a cerca de 160 quilômetros de uma cidade com mais de quinhentos mil habitantes.

Os faróis iluminaram fileiras onde todo tipo de coisa, de velhos aviões a garrafas de ácido-sulfúrico, se empilhava em montes. Alguns dos despejos ainda estavam frescos. Fumaça e fogo saía de alguns. Outros brilhavam sem combustão. Uma poça de metal borbulhou e espirrou com a aproximação deles.

Logo eles estavam entre os velhos pinheiros novamente, balançando de raiz a raiz.

- Ei! – griou Ed. – Pare!

Fred pisou forte nos freios, e o motor morreu.

- Diabos! – ele disse. – Que merda há com você?

- Lá atrás! Eu juro que vi um cara empurrando um ovo brilhante do tamanho de Cleveland.

- Eu não volto nem fodendo. – disse Fred.

- Qual é? Você não vê esse tipo de coisa todo dia.

- Merda, Ed. Um dia você vai acabar nos matando!

Não era um ovo. Eles não precisavam de lanternas para dizer que não era uma mina magnética também. Era uma cápsula redonda que brilhava sozinha, com diversas cores que mudavam. O homem que a empurrava desaparecia por trás dela.

- Parece um tatu brilhante enrolado. – disse Fred, que já havia estado no oeste.

O homem atrás da coisa piscou para eles, sem poder ver além de suas lanternas. Ele estava sujo e com as roupas rasgadas, com uma barba manchada pelo tabaco e cabelos cinzas emaranhados.

Eles se aproximaram.

- É meu! – ele lhes disse, parando na frente da coisa, cruzando os braços sobre ela.

- Calma, coroa. – disse Ed. – O que você tem aí?

- Minha passagem para a vida mansa. Vocês são da Aeronáutica?

- Ah, não. Vamos dar uma olhada nisso.

O homem apanhou uma pedra.

- Para trás! Eu achei quando descobri o avião caído. A Aeronáutica vai me pagar muito pra ter essa bomba atômica de volta!

- Isso não parece com nenhuma bomba atômica que eu já tenha visto. – disse Fred. – Veja as letras desse lado. Nem é inglês.

- Claro que não! Deve ser uma arma secreta. Por isso eles a fizeram tão esquisita.

- Eles quem?

- Eu lhes contei mais do que eu queria. Saiam do meu caminho. – Fred olhou para o velho.

- Você chamou minha atenção. – ele disse. – Me conte mais.

- Fora do meu caminho, garoto! Eu matei um homem por uma lata de xarope uma vez.

Fred pôs a mão no casaco e tirou uma pistola de cano largo.

- Ela caiu na noite passada. – disse o velho, com olhos selvagens. – Me acordou. Acendeu o céu inteiro. Procurei por ela o dia todo, imaginando que a mata ia estar cheia do povo da Aeronáutica e patrulheiros estaduais, mas ninguém apareceu. Encontrei logo antes de escurecer, hoje. Se espatifou. As asas foram totalmente arrancadas na queda. Todas essas pessoas com roupas estranhas espalhadas. Mulheres também. – ele baixou a cabeça por um instante, envergonhado. – De qualquer forma, estavam todos mortos. Devia ser um avião a jato, não encontrei nenhum tipo de turbina. E essa bomba atômica estava simplesmente me esperando no meio dos escombros. Imaginei que a Aeronáutica fosse pagar muito bem pra te-la de volta. Um amigo meu achou um balão meterológico uma vez e lhe deram um dólar e vinte-e-cinco centavos. Imaginei que isso fosse um milhão de vezes mais importante que aquilo.

Fred riu.

- Um dólar e vinte e cinco, hein? Eu lhe dou dez dólares por isso.

- Eu posso conseguir um milhão!

Fred soltou a trava do revólver.

- Cinqüenta! – disse o velho.

- Vinte.

- Não é justo. Mas eu aceito.

- O que você vai fazer com isso? – perguntou Ed.

- Levar para o Dr. Tod. – disse Fred. – Ele vai saber o que fazer com isso. Ele é do tipo científico.

- E se for uma bomba-A?

- Bem, eu não acho que bombas-A tenham luzes coloridas. E o velho estava certo. A floresta estaria cheia de gente da Aeronáutica se eles tivessem perdido uma bomba atômica. Diabos, só cinco delas explodiram até hoje. Eles não podem ter mais de uma dúzia, e você pode apostar que eles sabem onde está cada uma, o tempo todo.

- Bem, não é uma mina. – disse Ed. – O que você acha que é?

- Não me importa. Se valer algum dinheiro, o Dr. Tod dividirá conosco. Ele é um cara direito.

- Para um malandro. – disse Ed.

Eles riram e riram, e a coisa balançou na traseira do caminhão.



[1] Uma nota de cinco dólares e duas de vinte.

Trinta minutos sobre a Broadway!

A última aventura de Jetboy!

Por Howard Waldrop

O Bonham’s Serviços Aéreos de Shantak, Nova Jersey, estava às moscas. A pequena luz na torre de vigília mal atravessava a escuridão da névoa densa.
Deu-se o som de pneus de carros no cimento úmido em frente ao hangar 23. Uma porta de automóvel se abriu e se fechou momentos depois. Passos se dirigiram à entrada de funcionários. Ela se abriu. Scoop Swanson entrou, carregando sua Kodak Autograph Mark II e uma bolsa de lâmpadas e filmes.
Lincoln Traynor se levantou do motor do P-40 que estava adaptando para um piloto que o conseguira num leilão por 293 dólares. Julgando pelo formato do motor, devia ter voado pelos Tigres Voadores em 1940. Um jogo de beisebol era narrado no rádio da bancada. Linc abaixou o volume.
- Olá, Linc. – disse Scoop.
- Olá.
- Nenhuma notícia ainda?
- Não espere nenhuma. O telegrama que ele enviou ontem dizia que ele estaria aqui essa noite. Bom o bastante para mim.
Scoop acendeu um Camel com uma caixa de fósforos Três Tochas da bancada. Assoprou fumaça na direção da placa de Proibido Fumar no fim do hangar. – Ei, o que é isso? – Ele caminhou até os fundos. Ainda em suas caixas estavam duas longas extensões vermelhas e dois tanques de 300 galões. – Quando isto chegou?
- A Corporação Aérea as despachou ontem de São Francisco. Chegou outro telegrama para ele hoje. Você pode ler, já que você está escrevendo a história. – Linc lhe entregou as ordens do Departamento de Guerra.

PARA: Jetboy (Tomlin, Robert NMI) Bonham’s Serviços Aéreos, Hangar 23, Shantak, Nova Jersey.
1. Efetivamente nesta data 1200 horas 12 ago ’46, você está dispensado do serviço oficial da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos.
2. Sua aeronave (modelo-experimental) (ser. nº JB-1) está dessa forma descomissionada do status oficial da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos e devolvida a você como aeronave privada. Nenhum outro suporte material da FAEEU ou do Departamento de Guerra será enviado.
3. Relatórios, recomendações e prêmios seguem em volume separado.
4. Nossos relatórios mostram que Tomlin, Robert NMI não obteve licença de pilotagem. Favor contatar CAB para cursos e certificação.
5. Céus limpos e vento na cauda,
Arnold, H. H. CdeE, FAEEU ref. Ordem Executiva #2 08 Dez ’41.

- Que história é essa de ele não ter licença de piloto? – perguntou o jornalista. – Eu pesquisei a fundo sobre ele: a ficha dele deve ter uns trinta centímetros de espessura. Diabos, ele deve ter voado mais rápido e mais longe e derrubado mais aviões que qualquer um. Quinhentos aviões, cinqüenta navios! Ele fez tudo isso sem uma licença de piloto?
Linc limpou a graxa de seu bigode. – É. Era o garoto mais louco por aviões que você já viu. Em ’39, ele não devia ter mais que doze anos e ouviu dizer que havia trabalho por aqui. Apareceu às quatro da manhã: fugiu do orfanato pra conseguir isso. Eles vieram buscá-lo, mas claro que o Professor Silverberg acertou as contas com eles e contratou o garoto.
- Silverberg é o cara que os Nazistas apagaram? O que fez o jato?
- É. Anos à frente de todo mundo, mas esquisito. Eu montei o avião para ele, Bobby e eu o construímos com nossas mãos. Mas Silverberg fez os jatos, a maquinaria mais incrível que você já viu. Os Nazistas e os Italianos, além de Whittle na Inglaterra, estavam fazendo os seus. Mas os Alemães descobriram que alguma coisa estava acontecendo aqui.
- Como o garoto aprendeu a voar?
- Eu acho que ele sempre soube. – disse Lincoln. – Um dia ele está aqui me ajudando a torcer metal. No outro, ele e o professor estão voando por aí a quatrocentas milhas por horas. No escuro, com as primeiras versões do motor.
- Como eles mantiveram o segredo?
- Não mantiveram, não muito bem. Os espiões vieram atrás de Silverberg. Queriam ele e o avião. Bobby havia saído com ele. Acho que ele e o professor sabiam que estava acontecendo alguma coisa. Silverberg deu um bom trabalho aos Nazistas e eles o mataram. Depois resolveram tudo com uma dessas sujeiras diplomáticas. Naqueles tempos o JB-1 só tinha seis calibres 0.30... Onde o professor os conseguiu eu não sei. Mas o garoto os usou para dar cabo do carro cheio de espiões e daquela lancha cheia de embaixadores no Hudson. Todos com vistos diplomáticos.
- Só um instante – Linc fez uma pausa. – Fim de dobradinha em Cleveland. Na Blue Network. – Ele aumentou o rádio Philco de metal que repousava sobre a bancada de trabalho.
- Sanders para Papenfuss para Volstad, uma jogada dupla. Isso deve resolver. Então os Sox perdem por dois para Cleveland. Vamos ficar bem… - Linc desligou o radio. – Lá se vão cinco pratas. – ele disse. – Onde eu estava?
- Os Chucrutes mataram Silverberg e Jetboy acertou as contas. Ele foi para o Canadá, certo?
- Se uniu à FARC, não-oficialmente. Lutou na Batalha da Bretanha, foi à China enfrentar os Japas com os Tigres, voltou à Inglaterra para Pearl Harbor.
- E Roosevelt o comissionou?
- Mais ou menos. Sabe, tem uma coisa engraçada sobre toda a carreira dele. Ele disputa a guerra inteira, por mais tempo que qualquer outro Americano de ’39 a 45... e então bem perto do fim ele se perde no Pacífico, desaparecido. Nós todos pensamos que ele havia morrido por um ano. E então o encontram naquela ilha deserta mês passado, e agora ele está voltando para casa. – Ouviu-se um fino e alto ganido, como um avião em descida. Veio do céu nublado do lado de fora. Scoop puxou seu terceiro Camel.
- Como ele consegue pousar nesse tempo?
- Ele possui um conjunto de radares para todo tipo de clima... Tirou de um piloto noturno Alemão em ’43. Ele conseguiria pousar em uma lona de circo à meia-noite.
Se dirigiram para a porta. Duas luzes de pouso perfuraram a neblina esvoaçante. Se dirigiram ao final da rampa, viraram e voltaram pela faixa de taxiamento.
A fuselagem vermelha brilhou nas luzes acinzentadas da pista. O avião de asas largas e turbina dupla os rodeou e começou sua parada.
Linc Traynor pôs um par de pesos duplos debaixo de cada um dos dois trens de pouso. Metade do nariz de vidro do avião se ergueu e retornou. O avião possuía quatro canhões de 20mm sob as asas, entre as turbinas, e uma metralhadora 75mm debaixo e à esquerda da cabine do piloto.
Possuía um leme alto e fino, e os elevadores possuíam o formato da cauda de uma truta-da-fonte. Sob cada elevador havia o cano de uma metralhadora. As únicas marcas que se via no avião eram quatro estrelas da FAEEU em um escudo negro não-padronizado e o número de série JB-1 nas duas asas e sob o leme.
A antena de radar no nariz parecia algo usado para assar salsichas.
Um rapaz vestido com calças vermelhas, camisa branca, capacete azul e óculos levantou-se da cabine e se moveu em direção à escada no lado esquerdo.
Ele tinha dezenove, talvez vinte anos. Tirou seu capacete e óculos. Possuía cabelos marrons timidamente cacheados, olhos castanho-esverdeados e era baixo e atarracado.
- Linc. – ele disse. Puxou o homem rechonchudo para junto de si, acariciando suas costas por um minuto inteiro. Scoop tirou uma foto.
- É bom tê-lo de volta, Bobby. – disse Lincoln.
- Ninguém me chama assim há anos. – ele disse. – É muito bom ouvir isso de novo.
- Este é Scoop Swanson. – disse Linc. – Ele vai fazer você famoso de novo.
- Eu prefiriria dormir. – ele apertou a mão do repórter. – Há algum lugar aqui perto onde possamos conseguir presunto e ovos?

Prólogo

Extraído de Tempos Selvagens: Uma História Oral dos Anos Pós-Guerra, de Studs Terkel (Editora Panteão, 1979)


Herbert L. Cranston

Anos depois, quando vi Michael Rennie sair daquele disco voador em O Dia em que A Terra Parou, me inclinei na direção da esposa e disse, “É assim que um emissário alienígena deveria parecer”. Sempre suspeitei que foi a chegada de Tachyon que lhes deu a idéia para o filme, mas você sabe como Hollywood muda tudo. Eu estava lá, então eu sabia como havia sido de verdade. Para começar, ele desceu em White Sands, e não em Washington. Ele não tinha um robô, e nós não atiramos nele. Considerando o que houve depois, talvez devêssemos ter atirado, não?

Sua nave, bem, com certeza não era um disco voador, e não se parecia nada com os nossos V-2s capturados ou mesmo os foguetes lunares dos desenhos de Werner. E também violava cada lei da aerodinâmica conhecida, assim como a relatividade de Einstein.

Ele desceu à noite, sua nave coberta de luzes, a coisa mais linda que eu já vi. Reduziu a velocidade na metade da rota de pouso, sem foguetes, propulsores, rotores ou qualquer meio de propulsão visível. A camada exterior lembrava coral ou algum tipo de pedra porosa, coberta de espirais e espinhos, como algo que você encontraria em uma caverna ou região fóssil enquanto mergulha em grandes profundidades.

Eu estava no primeiro jipe a alcançá-lo. Quando chegamos lá, Tach já estava do lado de fora. Michael Rennie, agora, parecia correto naquela sua roupa espacial azul-prateada, mas Tachyon parecia uma mistura entre os Três Mosqueteiros a lgum tipo de artista circense. Não me importo em lhes contar, todos estávamos dirigindo muito assustados, tanto os garotos-foguete e os cabeças-de-ovo quanto os soldados. Lembrei daquela transmissão do Mercury Theater, em 39, quando Orson Welles fez com que todo mundo acreditasse que os Marcianos estavam invadindo Nova Jersey, e não pude deixar de pensar que talvez dessa vez estivesse acontecendo de verdade. Mas tão logo os holofotes o atingiram, ali parado em frente à sua nave, todos relaxamos. Ele não era nem um pouco assustador.

Era baixo, talvez um metro e sessenta, um metro e sessenta e cinco, e pra dizer a verdade, parecia mais assustado que nós. Usava essas calças verdes colantes com botas embutidas e essa camisa laranja com babados de renda na gola e nos punhos e um tipo de colete brocado prateado, muito apertado. Seu casaco era de um amarelo-limão, com um manto verde balançando ao vento atrás dele e terminando na altura dos calcanhares. No topo de sua cabeça havia esse chapéu de abas largas, com uma longa pena vermelha pendurada, mas quando me aproximei percebi que era uma pena estranha e muito pontuda. Seus cabelos cobriam os ombros; à primeira vista pensei que fosse uma garota. Era um tipo peculiar de cabelo, também, vermelho e brilhante, como finos fios de cobre.

Eu não sabia o que pensar dele, mas lembro que um de nossos Alemães disse que ele se parecia com um Francês.

Mal havíamos chegado, ele veio cambaleando em direção ao jipe, muito pomposo, dando pesados passos com uma grande bolsa debaixo de um braço.

Começou a nos dizer seu nome, e ainda o estava pronunciando quando outros quatro jipes encostaram. Falava inglês melhor que a maioria de nossos Alemães, apesar de ter esse sotaque estranho, mas era difícil ter certeza no começo quando ele demorou dez minutos nos dizendo seu nome.

Eu fui o primeiro ser humano a falar com ele. Juro por Deus, não importa o que digam a você, fui eu. Saí do jipe, levantei minha mão e disse, “Bem-vindo à América”. Comecei a me apresentar, mas ele me interrompeu antes que eu pudesse pronunciar as palavras.

- Herb Cranston, de Cape May, Nova Jersey - ele disse. - Um cientista de foguetes. Excelente. Eu também sou um cientista. - Ele não parecia com nenhum cientista que eu já tinha conhecido, mas fiz concessões, já que ele havia vindo do espaço exterior. Eu estava mais preocupado sobre como ele sabia meu nome. Perguntei a ele.

Ele balançou seus babados no ar, impaciente.

- Eu li sua mente. Isso não tem importância. O tempo é curto, Cranston. A nave deles quebrou. - Achei que ele parecia mais que levemente doente quando disse isso; triste, sabe, ferido, mas assustado também. E cansado, muito cansado. Então ele começou a falar sobre esse globo. Era o globo com o vírus carta selvagem, claro, todo mundo sabe disso agora, mas naquele momento eu não fazia idéia do que diabos estava acontecendo com ele. Estava perdido, ele disse, ele precisava recuperá-lo, e esperava que estivesse intacta pelo bem de todos nós. Ele queria falar com nossos maiores líderes. Deve ter lido os nomes deles na minha mente, porque citou Werner, Einstein e o Presidente, só que o chamou de “esse Presidente Harry S. Truman de vocês”. Então ele subiu direto para a traseira do jipe e se sentou.

- Leve-me a eles - ele disse. - De uma vez...

Professor Lyle Crawford Kent

De certa forma, fui eu quem escolheu seu nome. Seu nome real, claro, seu patronímio alienígena, era impossivelmente longo. Muitos de nós tentaram abreviá-lo, lembro bem, usando este ou aquele pedaço durante nossas conferência, mas evidentemente isso era um tipo de quebra de etiqueta em seu mundo natal, Takis. Continuamente ele nos corrigiu, de forma um tanto arrogante, devo dizer, como um ancião pedante passando um sermão num grupo de colegiais. Bem, precisávamos chamá-lo de alguma coisa. O título surgiu primeiro. Podíamos tê-lo chamado de “Vossa Majestade” ou algo do gênero, afinal ele alegava ser um príncipe, mas os americanos não ficam confortáveis com esse tipo de adulação e puxa-saquismo. Ele também disse que era um físico, apesar de não no nosso sentido da palavra, e é preciso admitir que ele parecia conhecer uma boa coisa de genética e bioquímica, que parecia ser sua área de expecialização. Grande parte de nossa equipe possuía formações avançadas, e nos referíamos um ao outro de acordo, então era mais que natural acabarmos chamando-o também de “Doutor”.

Os cientistas de foguetes estavam obcecados com a nave de nosso visitante, particularmente com a teoria de seu sistema de propulsão mais-rápido-que-a-luz. Infelizmente, nosso visitante Takisiano incendiou os mecanismos de viagem interestelar de sua nave na tentativa de chegar até aqui antes de seus parentes, e de qualquer forma ele firmemente se recusou a permitir que qualquer um, civil ou militar, inspecionasse o interior de seu veículo. Werner e seus Alemães se limitaram a questionar o alienígena a respeito do mecanismo, um tanto compulsivamente, pensava eu. Pelo que eu entendia, física teórica e a tecnologia da viagem espacial não eram disciplinas nas quais nosso visitante era especialmente experiente, então as respostas que deu a eles não eram muito claras, mas conseguimos captar que o mecanismo utilizava uma partícula mais que desconhecida e que viajava mais veloz que a luz.

O alienígena tinha um termo para a partícula, tão impronunciável quanto seu nome. Bem, eu tinha alguma formação em Grego clássico, como todos os homens bem-educados, e uma queda por nomenclaturas se me permito dizer. Fui eu quem concebeu o neologismo “tachyon”. De alguma forma os soldados confundiram as coisas e começaram a se referir a nosso visitante como “aquele tal tachyon”. A frase pegou, e dali foi um pequeno passo até Doutor Tachyon, o nome pelo qual ele passou a ser conhecido genericamente na imprensa.

Coronel Edward Reid, Inteligência do Exército dos EUA (reformado)

Você quer que eu diga, certo? Todo maldito repórter com quem já falei quer que eu o diga. Certo, aqui vai. Nós cometemos um erro. E pagamos por isso também. Você sabia que depois tentaram nos levar à corte marcial, de interrogação toda? É um fato. O diabo disso é que eu não sei como podíamos esperar ter feito as coisas diferente de como fizemos. Eu estava encarregado de sua interrogação. Eu devia saber. O que sabíamos realmente sobre ele? Nada além do que ele próprio nos contou. Os cabeças-de-ovo o estavam tratando como o Menino Jesus, mas militares precisam ser mais cautelosos. Se você quer entender, deve se colocar no nosso lugar e lembrar como eram as coisas naquela época.

A história dele era totalmente absurda, e ele não podia provar nada. Certo, ele pousou nessa nave-foguete engraçada, só que não tinha foguetes. Isso era impressionante. Talvez aquela nave dele tivesse vindo do espaço, como ele disse.

Mas talvez não tivesse. Talvez fosse um daqueles projetos secretos em que os Nazistas vinham trabalhando. Sobras da guerra. Talvez fosse uma nave russa. Eu não sei. Se Tachyon tivesse ao menos nos permitido examinar sua nave, nossos garotos teriam sido capazes de descobrir de onde ela veio, tenho certeza. Mas ele não deixaria ninguém entrar na maldita coisa, o que me parece mais que suspeito. O que ele tentava esconder?

Ele disse que vinha do laneta Takis. Bem, eu nunca ouvi falar de nenhuma porcaria de planeta Takis. Marte, Vênus, Júpiter, claro. Até Mongo e Barsoom. Mas Takis? Eu chamei uma dúzia dos melhores astrônomos de todo o país, inclusive um cara da Inglaterra. "Onde fica o planeta Takis", eu perguntei a eles. "Não existe planeta Takis", eles me disseram.

Ele supostamente era um alienígena, certo? Nós o examinamos. Uma bateria completa de exames físicos, raios-x, testes psicológicos, o de praxe. O resultado foi humano. Cada coisa que testávamos nele, dava humano. Nenhum órgão extra, nada de sangue verde, cinco dedos nos pés e nas mãos, duas bolas e um pinto. O filho da puta não era diferente de você e de mim. Ele falava inglês, pelo amor de Deus. Mas veja só: ele também falava alemão. E russo e francês e algumas outras línguas que eu esqueci. Eu gravei algumas de minhas sessões com ele e as toquei para um lingüista que disse que o sotaque era da Europa Central.

E os médicos-de-cabeça, nossa, você devia ouvir os relatórios deles. Paranóia clássica, disseram. Megalomania, disseram. Esquizofrenia, disseram. Todo tipo de coisa. Quero dizer, veja bem, esse cara dizia ser um príncipe do espaço com poderes mágicos de merda que veio aqui sozinho para salvar todo o nosso maldito planeta. Isso parece são pra você?

E me deixe dizer uma coisa sobre aqueles malditos poderes mágicos dele. Eu vou admitir, foi isso o que mais me incomodou. Quero dizer, não só Tachyon podia dizer o que você estava pensando, ele podia olhar para você dum jeito engraçado e fazê-lo trepar na mesa e baixar as calças, você querendo ou não. Eu passei horas com ele todos os dias, e ele me convenceu. O problema é que meus relatórios não convenceram os peixes grandes. Algum tipo de truque, eles pensaram, ele estava nos hipnotizando, lendo nossa postura corporal, usando de psicologia para nos fazer pensar que ele lia mentes. Eles iam enviar um hipnotizador de palco para descobrir como ele fazia isso, mas a merda bateu no ventilador antes que tivessem a chance.

Ele não pediu muito. Tudo o que queria era um encontro com o Presidente de forma que pudesse mobilizar toda a força armada Americana para procurar um foguete caído. Tachyon estaria no comando, é claro, ninguém mais estava qualificado. Nossos maiores cientistas podiam ser seus assistentes. Ele queria radares e jatos e submarinos e sabujos e máquinas estranhas que ninguém nunca havia ouvido falar. Chame do que quiser, ele queria. E ele não queria ter de consultar ninguém. Esse cara se vestia como um cabeleireiro bicha, se você quer a verdade, mas pelo jeito como ele dava ordens, você podia pensar que ele tinha pelo menos três estrelas.

E por que? Ah, claro, a história dele, isso era o melhor. Nesse planeta Takis, ele disse, umas duas dúzias de grandes famílias mandavam no jogo, tipo realeza, só que todos tinham poderes mágicos, e eles mandavam e desmandavam sobre todos os que nham poderes mágicos. Essas famílias passavam a maior parte de seu tempo controlando feudos como os Hatfields e McCoys. O grupo dele em particular tinha uma arma secreta que vinham desenvolvendo a uns dois séculos. Um vírus artificial desenvolvido para interagir com a estrutura genética do organismo hospedeiro, ele disse. Ele fazia parte da equipe de pesquisa.

Bem, eu estava me divertindo com ele. O que esse germe fazia?, eu perguntei. Agora saque só isso: fazia tudo.

O que o vírus deveria fazer, de acordo com Tachyon, era aumentar esses poderes da mente deles, talvez até dar a eles novos poderes, evoluí-los quase em deuses, o que iria sem dúvida dar ao grupo dele o controle sobre os outros. Mas nem sempre funcionava assim. Algumas vezes, sim. Na maioria das vezes isso matava as cobaias. Ele falava e falava sobre como essa coisa era mortal, e conseguiu me deixar arrepiado.

Quais eram os sintomas?, perguntei. Nós conhecíamos armas de germes em 46; se por acaso ele estivesse falando a verdade, eu queria que soubéssemos o que procurar.

Ele não podia me dizer os sintomas. Havia todo o tipo de sintomas. Todos tinham sintomas diferentes, todas as pessoas. Você já tinha ouvido falar de um germe que fizesse isso? Eu não.

Então Tachyon disse que algumas vezes o vírus transformava as pessoas em aberrações ao invés de matá-las. Que tipo de aberrações?, perguntei. Todo tipo, ele disse. Eu admiti que isso parecia bem ruim, e perguntei porque os parentes dele não usaram o vírus nas outras famílias. Porque algumas vezes o vírus funcionava, ele disse; modificava suas vítimas, lhes dava poderes. Que tipos de poderes? Todo tipo de poderes, claro. Então eles tinham essa coisa. Eles não queriam usar nos seus inimigos, e talvez lhes dar poderes. Eles não queriam usar em si mesmos e matar metade da família.

Mas eles não iam simplesmente esquecer. Eles decidiram testar em nós. Por que nós? Porque éramos geneticamente idênticos aos Takisianos, ele disse, a única raça assim de que tinham notícia, e o treco havia sido desenvolvido para funcionar no genótipo Takisiano. E por que éramos tão sortudos? Alguns entre o pessoal dele pensavam que era evolução paralela, outros acreditavam que a Terra era uma colônia Takisiana perdida - ele não sabia e não se importava. Ele se importava com o experimento. Achou que era "ignóbil". Ele protestou, ele disse, mas o ignoraram. A nave se foi, e Tachyon decidiu impedi-los ele mesmo. Veio atrás deles em uma nave menor, incinerou sua maldita propulsão tachyon chegando aqui antes deles. Quando os interceptou, eles o mandaram se foder, mesmo sendo da família, e tiveram uma espécie de batalha espacial. A nave dele foi avariada, a deles foi despedaçada, e eles caíram. Em algum lugar no leste, ele disse.Ele os perdeu, devido ao dano em sua nave. Então ele pousou em White Sands, onde achou que podia conseguir ajuda.

Eu tinha a história toda no meu gravador. Mais tarde, a Inteligência do Exército contactou todo tipo de especialistas: bioquímicos e médicos e caras de artilharia de germes, chame como quiser. Um vírus alienígena, nós dissemos a eles, sintomas completamente aleatórios e imprevisíveis. Impossível, eles disseram. Totalmente absurdo. Um deles me deu toda uma aula sobre como germes da Terra nunca poderiam afetar Marcianos como naquele livro do H. G. Wells, e germes Marcianos não podiam nos afetar do mesmo jeito. Todos concordaram que essa história de sintomas aleatórios era hilária. O que devíamos fazer? Nós todos soltávamos piadas sobre a gripe Marciana e a febre do homem espacial. Alguém, não sei quem, o chamou de vírus carta selvagem em um relatório, e o resto de nós adotamos o nome, mas ninguém acreditou nisso nem por um segundo.

Era uma situação ruim, e Tachyon só a piorou quando tentou fugir. Ele quase conseguiu, mas como meu velho pai costumava dizer, "quase" só contava para ferraduras e granadas. O Pentágono havia mandado um dos seus para questioná-lo, um tal coronel Wayne, e Tachyon finalmente se cansou, eu acho. Ele tomou controle sobre o Coronel Wayne e os dois marcharam juntos para fora do edifício. Se abordados a qualquer momento, Wayne ordenava que os deixassem passar, e a hierarquia com certeza tem seus privilégios. A falsa história era de que Wayne tinha ordens de acompanhar Tachyon de volta a Washington. Eles exigiram um jipe e percorreram todo o caminho até a nave espacial, mas nesse meio tempo um dos sentinelas havia verificado a história comigo e meus homens estavam esperando por eles, com ordens diretas de ignorar qualquer coisa que o Coronel Wayne pudesse dizer. Nós o pusemos novamente sob custódia e o mantivemos lá, fortemente vigiado. Apesar de todo seu poder mágico, não havia muito que ele pudesse fazer. Ele podia obrigar uma pessoa a fazer o que ele queria, talvez três ou quatro se ele tentasse muito, mas não todos nós e àquela altura já estávamos a par dos seus truques.

Talvez tivesse sido uma manobra estúpida, mas sua tentativa de fuga acabou resultando no encontro com Einstein sobre o qual ele nos importunava tanto. O Pentágono continuava nos dizendo que ele era o maior hipnotizador do mundo, mas eu não estava mais caindo nessa, e você precisava ouvir o que o Coronel Wayne achava dessa teoria. Os cabeças-de-ovo estavam ficando agitados também. De qualquer forma, Wayne e eu conseguimos arrumar autorização para transportar o prisioneiro até Princeton. Eu imaginei que uma conversa com Einsten não poderia causar nenhum mal, e poderia resultar em algo bom. Sua nave estava lacrada e já tínhamos conseguido tudo o que podíamos do homem. Einstein supostamente era o maior cérebro do mundo, então talvez ele pudesse decifrar o cara, certo?

Ainda há aqueles que dizem que tudo o que aconteceu foi por culpa dos militares, mas isso está longe da verdade. É fácil falar para quem vê de fora, mas eu estava lá e continuarei afirmando até o dia de minha morte que os passos que demos foram racionais e prudentes.

O que realmente me irrita é quando falam sobre como não fizemos nada para rastrear aquele maldito globo com os esporos de cartas selvagens. Talvez tenhamos cometido um erro, claro, mas não éramos idiotas, estávamos protegendo nossa retaguarda. Toda maldita instalação militar do país recebeu ordens diretas de buscar uma nave espacial caída que parecia com uma espécie de concha com luzes. A porra da culpa é minha se nenhuma delas levou as ordens a sério?

Me dêem crédito por uma coisa, pelo menos. Quando o inferno começou, em duas horas eu pus Tachyon num vôo para Nova Iorque. Eu estava no assento atrás dele. A bicha ruiva chorou por metade do caminho ao longo do país. Já eu, eu rezei por Jetboy.


Baixe este capítulo em pdf